domingo, 1 de novembro de 2009

Ao Bradar Minha Queixa Inútil, Reparei...

Ao Bradar Minha Queixa Inútil, Reparei...

Hesite bradar a miséria que aflinge,
Se a desgraça não é tão mal assim!
Em condenados um golpe vil atinge
E seu cessar nem se vislumbra fim...

Essa cantiga cruel que exala a fome
Só a conhece o infeliz de alma morta...
Agora reconheço o peso desse nome
Tão imenso seu poder comporta:

De alastar o alcance das matanças,
De deformar o sorriso das crianças,
Que de ódio faz um pai tremer...

Se digo que faminto estou eu minto.
Na verdade, é pouco o que eu sinto:
É tão somente o capricho de comer...

(Pedro Firmino de Morais)

O molho da graxa

“Nem só de maginação boa vive um bom maginador. E desse universo multi-colorido, por vezes, a maginação dá lugar ao desbotado escuro das cores de finado do real. É tirando esse embaçamento das nuvens maginadoras e irreais que o cumpade Expedito Gomes nos revela um corte cru e profundo na veia pulsante do nosso estômago bem alimentado, um beliscão de alicate na ponta do intestino de quem desdenha essa palavra tão forte e expressiva: fome." (Raimundo Cajazeira)


O Molho da Graxa

Voltava pra casa pela rua principal do bairro, a calçada foi reformada há pouco, colocados novos ladrilhos. Numa terça-feira pouco movimentada resolvi ir a um barzinho próximo, que serve prato feito no horário de almoço, nos intervalos do pessoal do comércio, que são os clientes mais frequentes. Já eram quase duas da tarde, estava com fome.

A maioria das pessoas já voltava pra seus serviços. Sentei próximo a única porta de saída do recinto. Gosto de olhar a rua, notar o movimento enquanto almoço. O garçom que trabalha para o dono do barzinho chama para o extremo da calçada defronte um pequeno engraxate, familiar pelo ponto que faz há um bom tempo no local, e coloca uma porção de macarrão e arroz no pote vazio de margarina. É um dia valioso quando isso ocorre, é um corte arrastado no extenso da fomidão de um dia inteiro.

Observo o pequeno em sua cerimônia apressada para liquidar logo sua valiosa iguaria, seu manjar melhorzinho. Um gesto equivocado, e o negro lodo da graxa escorre da latinha, caindo dentro do prato-vasinha improvisado. O guri faminto, em penoso jejum desde à tardinha do dia passado, em poucos instantes hesita entre um trago profundo na cola, ou uma colherada feita da mão em concha na refeição escurecida. Não sei se foi o desdém pelo gosto já íntimo da graxa, ou a contração violenta do estômago seco que impeliu o garoto a devorar o caldo negro em poucos segundos, mas ao fitar meu prato servido na mesinha de ferro do bar, reconheci desconhecer o sentido duma palavra tão profanamente usada como o são as palavras sagradas usadas por suspeitos pregadores.


(Expedito Gomes Cordeiro)

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Raimundo e o Pirsicólogo

Tudo no mundo agora é um tá di Pirsicólogo. Irmurecimento, entrevamento de velhice, disconfiança do procedimento duvidoso do minino caçula, e até levantamento de moral pra corno. Pra tudo que é problema, se vai nesse rapaz de nome Pirsicólogo.

A gente entra numa salinha, senta numa mesa de dentista... E o doutor fica sentado numa caldeira de almofada, rabiscando uns desenho num caderno.

Quagi um mês depois, umas quinze hora só de falação minha pro danado desse doutor, ele disse que o problema era coisa da minha cabeça. Aí eu disse: Comué, rapaz? Eu pensei que fosse dizer que era uma doença do estrangeiro, ou coisa dessa parêia...

Hômi, se fosse pra dizer um troço desse chamava meu cumpade Pedim do Poço da Lage, e apóis uma hora de prosa, e duas lapada duma aguinha que caçote num lambe, ele ia dizer a mermíssima coisa... “Isso é coisa da tua cabeça, Raimundo... Tu num lembra que Zé Galego tinha essa merma frescura?”. E pronto, tava arresolvido o problema.

Saindo da sala do Pirsicólogo, depois do até mais ao doutor, e arreparando comigo mermo, maginei... “ah se Pedim tivesse estudado...”.

(Raimundo Cajazeira)

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O falar da minha fala

Tava cistindo televisão, e vi uns rapazim com as cara pintada, umas fantasia de palhaço, tocando umas viola elétrica, e batendo num atabaque, além duns malabarista fazendo munganga. Era um tá Teatro Mágico. Na musiquinha que eles cantava, uma tá de Zazulejo, as letrinha que no rodapé passava dizia assim: "Mas quando alguém te disser tá errado ou errada / Que não vai S na cebola e não vai S em feliz / Que o X pode ter som de Z e o CH pode ter som de X / Acredito que errado é aquele que fala correto e não vive o que diz..."

Hômi, na hora lembrei de Pedro Balaieiro, um sujeito revirado e escondido na gaveta das bugiganda de seu Jessier, e revelado nas proeza de seu Berro Novo, que assim dizia numa tá Breviação: "O cabôco beradeiro desacerta nas palavras, mas acerta nas idéias.
Sou mais Pedro Balaieiro com seu balaio de verbos sem nunca ser dado a ler do que o cabra estudado, aprendido e letrejado, diplomado em nunseiquê, com cabeça de minhoca, dos que abrevia Pipoca parando na letra 'C'."

Sendo desse jeito mermo, pensei:

Apois nem pense em caçoar
Do falar da minha fala
Que ele de mim faz germinar
Fruto que não brota em quem se entala
Com caminhão de rodeio,
Com esse mói de alegoria
De um discurso tão vazio
Que se por acaso um dia
Desse passarinhar sem gorjeio
For discosturando a costura
Tirando dele um poquim
Da sobra da cobertura
Na alvura do papé
Só vai restá no sopé
O djabo da assinatura.

(Raimundo Cajazeira)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Postagi naugural

Vamo naugurando esse nosso canteirinho ainda esturricado, mas em breve bem aguado de boas intenções... Vamo assim descortinar o poema ilustrador das pretenções nossas: tão somente maginar... Desembocado da boca de um gênio sem limites, esse bardo de açude espiralado, esse chapéu infinitado... de maginação. Pois taí:



UM SONHADOR MAGINANDO
Jessier Quirino, com participação de Dominguinhos.

Tou maginando um navio
Um veleiro voador
Cheio de água e frescor
Pra, no sertão, vaguear.
Com meu barco eu avoar
Por ali surrupiando
Parando de quando em quando
Por tudo quanto é roçado.
Quem der de beiço, espantado:
"- Que diacho tu tais tramando?"
Responderei animado:
Apenasmente aguando.

Procurarei entender
Os raios de sol e brasa
Protegerei com minh'asa
As casas sem eira e beira
Esquecerei as torneiras
Do sangrador escoando
Se a passarada voando
Bandos de fogo-pagou
Interrogar quem eu sou
Com tanta água sobrando
Responderei abrandado:
Sou eu aqui aguando.

Orvalharei as folhagens
Os frutos de cor e cheiro
E por fim, por derradeiro
E num vigor bem maior
Derramarei meu suor
Recolherei as amarras
E escutarei as cigarras
O inverno anunciando
Festejarei proclamando:
"- Tá bonito pra chover!!!"
E retornarei a ser
Um sonhador maginando.