“Nem só de maginação boa vive um bom maginador. E desse universo multi-colorido, por vezes, a maginação dá lugar ao desbotado escuro das cores de finado do real. É tirando esse embaçamento das nuvens maginadoras e irreais que o cumpade Expedito Gomes nos revela um corte cru e profundo na veia pulsante do nosso estômago bem alimentado, um beliscão de alicate na ponta do intestino de quem desdenha essa palavra tão forte e expressiva: fome." (Raimundo Cajazeira)
O Molho da Graxa
O Molho da Graxa
Voltava pra casa pela rua principal do bairro, a calçada foi reformada há pouco, colocados novos ladrilhos. Numa terça-feira pouco movimentada resolvi ir a um barzinho próximo, que serve prato feito no horário de almoço, nos intervalos do pessoal do comércio, que são os clientes mais frequentes. Já eram quase duas da tarde, estava com fome.
A maioria das pessoas já voltava pra seus serviços. Sentei próximo a única porta de saída do recinto. Gosto de olhar a rua, notar o movimento enquanto almoço. O garçom que trabalha para o dono do barzinho chama para o extremo da calçada defronte um pequeno engraxate, familiar pelo ponto que faz há um bom tempo no local, e coloca uma porção de macarrão e arroz no pote vazio de margarina. É um dia valioso quando isso ocorre, é um corte arrastado no extenso da fomidão de um dia inteiro.
Observo o pequeno em sua cerimônia apressada para liquidar logo sua valiosa iguaria, seu manjar melhorzinho. Um gesto equivocado, e o negro lodo da graxa escorre da latinha, caindo dentro do prato-vasinha improvisado. O guri faminto, em penoso jejum desde à tardinha do dia passado, em poucos instantes hesita entre um trago profundo na cola, ou uma colherada feita da mão em concha na refeição escurecida. Não sei se foi o desdém pelo gosto já íntimo da graxa, ou a contração violenta do estômago seco que impeliu o garoto a devorar o caldo negro em poucos segundos, mas ao fitar meu prato servido na mesinha de ferro do bar, reconheci desconhecer o sentido duma palavra tão profanamente usada como o são as palavras sagradas usadas por suspeitos pregadores.
(Expedito Gomes Cordeiro)
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